Outro dia eu tava comentando que eu nunca chamei meus pais de "mamãe e papai". Sempre foi "mãe e pai", "mã e pá" ou "manhê e paiê", mas "mamãe e papai", nunca. Mas depois eu percebi que tava enganado, pelo menos com relação à véia.
Tudo começou porque eu sou um desastre pra acordar. É fato, acordar não é o meu forte, o que eu posso fazer? O despertador toca, eu desligo e durmo de novo. As pessoas me chamam, eu acordo e durmo de novo.
Por isso minha mãe desenvolveu uma técnica especial pra me acordar. É claro que ela não fazia isso todo dia, mas quando fazia era muito engraçado.
O segredo era fazer eu falar. Mas pra conseguir isso, ela meio que representava um papel, eu não sei se eu vou conseguir explicar direito. Ela conversava comigo com uma entonação e uma linguagem que parecia que ela tava, sei lá, abrindo as transmissões do Criança Esperança, sabe? Ou que ela tinha virado um personagem do "E o Vento Levou" (que, aliás, ela adorava). Só pra dar uma ideia, até vocativo ela usava!
Era mais ou menos assim: ela entrava no quarto, abria a janela, sentava na beira da minha cama e dizia:
- Diga "bom dia, mamãe"!
E eu:
- Bomdãfff...
- Não, não, diga "Bom dia, mamãe"!
- Bomdiamãfff...
- Não, não, vamos, diga "Bom dia, mamãe"!
- Bomdiamamãefff...
- Iiiiisso, agora diga "oh, meu Deus, que dia mais lindo vejo lá fora"!
- OhmeuDãfff...
- Nãããão, diga "oh, meu Deus, que dia mais lindo vejo lá fora"!
- OhmeuDeusquediamaislindovejoláforafff"!
- Iiiiisso, agora diga...
Aí não tinha jeito, eu caía na gargalhada, e ela sabia que eu tava, oficialmente, acordado. Eu nunca soube qual seria a terceira frase, ela nunca precisou usar.
Pra falar a verdade, eu não vejo a hora de acordar a Letícia desse jeito. Mas se ela não levantar depois da segunda frase, eu não sei o que é que eu vou pedir pra ela falar! :o)