terça-feira, 3 de março de 2009

TRAGÉDIA GREGA

O ano era 1988, eu tava no primeiro colegial. Todo mundo ali, reunido na porta da sala de aula esperando a professora chegar. Aí aparece aquela cabecinha lá longe, começando a descer na nossa direção. Foi a senha pra galera resmungar:

- Pãããtsa, ela já tá vindo...

- Já? Pãããtsa...

- Pãããtsa... (pois é, a gente gostava meeesmo daquelas aulas de Filosofia...)

Mas o que interessa é que aí alguém vira e pergunta:

- Cês leram o texto pra prova?

- Li.

- Eu li.

- Pãããtsa, eu li.

- Texto? Que texto?

Esse último, claro, era eu. E não é que eu tinha esquecido de ler o texto. Eu não sabia era que havia um texto que tinha que ser lido. Muito menos que sobre esse texto haveria uma prova. E foi aí que uma das maiores demonstrações de coleguismo da história se transformou numa das maiores merdas da minha vida escolar.

Nesse momento a professora ainda não havia chegado na metade do caminho, até porque velocidade não era muito o forte dela. Era daquele tipo que falava baixinho, zen pra cacete, sempre de bata, cabelão encaracolado. Dava aula sentada em cima da mesa, balançando as sandalinhas. Resumindo, ela misturava a aparência da Janis Joplin com a animação do Charlie Brown. Deu pra imaginar, mais ou menos?

Pois bem, enquanto ela chegava, meus fiéis e queridos amigos iniciaram uma tentativa desesperada de me contar o que fosse possível a respeito do tal texto. Pelo menos pra eu não zerar na prova. Todo mundo falava ao mesmo tempo, cada um acrescentando uma parte da história, e eu ouvia tudo aquilo de olho nos passinhos da mulher que se aproximava. O que se seguiu foi mais ou menos assim:

(Rafa) – Bom, o texto era sobre Antígona.

(Eu) - Antígona?

(Pedro) - Isso. É do Sócrates. Não, do Sófocles.

(Eu) – Sócrates ou Sófocles?

(Pedro) - Sófocles, Sófocles...

(Eu) – Tá.

(Rogero) – Antígona era uma mulher que vivia na Grécia.

(Eu) – Beleza.

(Marcio) – É, era uma puta lá...

(Eu) – Tá.

(Fábio B) – Ela era irmã de Ismene.

(Eu) – De quem?

(Fábio B) – Is-me-ne.

(Eu) – Ah, tá, Ismene, beleza...

(Chris) – Coloca que ela se revoltou contra a tirania.

(Noro) – Isso, que ela enfrentou Creonte!

(Eu) – Tá, Ismene, tirania, Creonte... Beleza, o resto eu enrolo. Valeu, galera!

Sem brincadeira, fiquei até comovido com aquela demonstração de parceria! Todo mundo unido pra me tirar do sufoco. Mas percebam, aquele era um momento de aflição. Eu tava absorvendo qualquer informação que me dessem. QUALQUER informação...

Corta pra semana seguinte, dentro da sala de aula. A professora, sentadinha em cima da mesa, distribui as provas, chamando o aluno e dizendo a nota dele pra todo mundo. De repente, vem a bomba:

- Eduardo... (sim, meu nome é Eduardo). Zero.

Mas ela não falou “zero” com pena. Ela falou “zero” com raiva. Com ódio. Rancorzão, mesmo. E enquanto eu me levantava pra ir buscar minha prova com cara de bunda, ela olhou pra mim e disse:

- Eu só queria descobrir de onde você tirou que Antígona era uma prostituta...

Naquele momento os olhos daquela mulher diziam que ela me odiava. Eu olhei pro Marcio, que afinal era a fonte daquela informação, mas ele só fechou os olhos, deu um tapa na testa e resmungou “puta, Duda, você é burro pra caralho...”

Resolvi contar essa história gigante no meu primeiro post porque ela ressurgiu nesse final de semana, na quarta ou quinta comemoração do meu aniversário, justamente no jantar em que alguns amigos me incentivaram a criar esse blog. Estavam lá o Fábio G, a Paty, o Paulão, a Silvia... e o Marcio, que só de sacanagem me deu uma edição de bolso da Antígona. Finalmente, 21 anos depois, eu vou descobrir o que essa mulher fazia da vida! Mas se ela beijar alguém nessa história, ou der uma piscadinha que seja, eu vou lá no meu colégio pra pedir revisão de nota...

3 comentários:

  1. Duuuuuuuuuuuuds!

    HAUAHUAHUH, adorei a história! Sensacional! E o tal Marcio não teve nenhuma escoriação, nem sofreu nenhum atentado depois disso rs? Mande logo as próximas histórias rs.

    Bjs

    Dany B.

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  2. sensacional! muito bem dudaaaaa!
    welcome, man!
    ameaçar um ser humano com a lei priemira da blogosfera SEMPRE dá resultado...
    somos todos apegados às nossas boas histórias, não é mesmo?

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  3. Bom, nem preciso dizer (pro Duda) que o texto está sensacional, como eu já imaginava que seria.

    Nem preciso dizer também (a todos) que eu sou o tal Marcio (sim, me chamo Marcio) da história (sim, não é estória, aconteceu de fato).

    E, finalmente, nem preciso dizer (ao mundo) que eu estava tentando ajudar também. Mas, digamos, meus modos ruins e meu descuido com o linguajar acabaram criando este mal entendido. Foi triste na hora, principalmente pro Duda, mas foi bom para o universo, que poderá usufruir de textos expetaculares.

    Ah, e nem preciso dizer que eu serei obrigado a contar algumas verdades lá no meu blog pra queimar também o filme do Duda... rs

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