terça-feira, 14 de abril de 2009

PREZADO(S) VÍRGULA MORADOR(ES)

Eles formam uma raça diferente, esses escritores de aviso de elevador de prédio. Eu acho, cê num acha? Principalmente nessa relação tão particular que eles têm com as vírgulas.

Repara, pode ser o assunto que for: a manutenção da pilastra do meio da garagem, a regulamentação do acesso dos cachorros sem focinheira no elevador, as vantagens da instalação do segundo portão de segurança e o que mais a gente conseguir ler até chegar ao nosso andar. A única certeza é que elas vão estar lá, discretas, tortinhas e completamente fora do lugar, como só as vírgulas de aviso de elevador de prédio conseguem ser.

Acho até que o bagulho já acabou virando uma espécie de escola literária, que utiliza regras próprias dominadas apenas por alguns eleitos. Daí eu desenvolvi uma tese (desempregado adora desenvolver tese, né?).

O escritor de aviso de elevador de prédio, na verdade, é um cara aparentemente comum. Aliás, ele é tão boy next door que mora realmente no nosso prédio. Mas quando precisam escrever um legítimo aviso de elevador de prédio, eles vestem aquelas roupas cheias de babados nos ombros e colam um cavanhaque postiço na ponta do queixo, pra compor aquele visual assim meio Shakespeare, sabe? (Ah, sim, ainda tem isso: de acordo com essa minha tese, o próprio Shakespeare não teria aquele visual que a gente conhece. O que acontece é que ele escrevia ótimos avisos de elevador de prédio, e foi retratado, por descuido, justamente quando estava se preparando para escrever mais um).

Bom, mas aí eles entram num quarto iluminado apenas por algumas velas, sentam numa mesona antiga de madeira, molham a pena no tinteiro e começam a psicografar as mensagens que, mais tarde, serão digitadas por alguém de alguma casta inferior.

Só que, pra cumprir o ritual, nessa primeira fase eles escrevem tudo sem vírgula. Aí, terminado o texto, eles abrem a segunda gaveta da mesona, que é onde eles guardam o saco de vírgulas (na primeira eles colocam apenas a faquinha de abrir envelope, o fumo do cachimbo e, sei lá, o livro-caixa, talvez. Ou algum folheto de delivery, num sei, ainda não desenvolvi essa parte...). Então, com a mão em concha, eles pegam algumas vírgulas no saco, içam o braço até ele ficar exatamente sobre o papel e salpicam o texto com elas, como um pizzaiolo que distribui descuidadamente as azeitonas pela pizza. E aí, pronto, onde cair, caiu. Depois é só dar uma sopradinha pra tirar o excesso, e mandar pra digitar.

Satisfeitos, eles então tiram o cavanhaque, tiram a roupa de babados, apagam as velas e saem do quarto, voltando a viver como pessoas comuns, sem despertar suspeitas. E quando encontram a gente no elevador, eles ficam na maior expectativa pra ver se nós vamos balançar a cabeça afirmativamente enquanto lemos o aviso. E, principalmente, pra ver se nós vamos fazer algum comentário sobre a colocação das vírgulas.

Sei lá, faz sentido isso pra você?

7 comentários:

  1. Puts, faz todo sentido essa teoria. Eu não tinha pensado nunca nessa possibilidade do ritual, mas acho extremamente plausível. Só após saber como funciona, agora, é que entendi a cara de uma moradora aqui do prédio - que ninguém me tira da cabeça que é a síndica redatora dos avisos - quando a encontro no elevador. Olho pro aviso que lá tiver por falta de assunto, mas percebo que ela me fita como se quisesse mensurar minha insatisfação com as vírgulas. Maldita redatora de aviso! Malditas vírgulas! Na próxima vou dar uma catarrada no papel e dizer: foi só pra fixar umas vírgulas mal paradas...

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  2. sugiro, uma votação em assembléia, para votarmos, no melhor blog do universo, e talvez, este seja, o escolhido.

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  3. Bem, pelo menos síndicos só espalham vírgulas. Já pensou se eles resolvessem caprichar tanto quanto os vereadores, quando se metem a escrever plaquinha de elevador?

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  4. Gente do céu, este moço é muito engraçado!

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  5. Gente do céu, este moço é muiiiiiiito engraçado.

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  6. Convide o síndico-poteiro-faxineiro para ensinar-lhes sobre a norma culta portuguesa.

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